Discurso do Presidente da Academia de Medicina de Brasília,

Acadêmico Renato Maia Guimarães, na Entrega da Medalha 

“Grandes Médicos de Brasília”

 24/10/2017

       A melhor definição para um grande medico é de William Osler, para quem um bom médico trata a doença; o grande médico trata o paciente que apresenta a doença. Esta reflexão me ocorre no momento em que futurólogos afirmam que em 20 anos a inteligência artificial poderá diagnosticar quase 100 % das doenças. Será o médico dispensável, simples lembranças de um passado rico em filosofia, mas pobre em tecnologia? A verdadeira obsessão pela desumanização da medicina nunca entrará nessa sala para receber medalha. É preciso reconhecer, contudo, que já enfrentamos problemas relacionados ao delírio tecnológico.  Há 30 anos, ao entrar na enfermaria, o cardiologista era quase aplaudido, pois era capaz de formular diagnósticos brilhantes a partir de sons abafados, por vezes pouco audíveis. Centenas de livros foram escritos sobre a arte de examinar, hoje os suspiros de contentamento são para as novas tecnologias da imagem e a família das novidades. Os ouvidos empobreceram, as mãos perderam a sensibilidade e o coração, que “bate feliz quando te vê”, foi transformado em valores que podem ser medidos e pesados. Não sou um messias do atraso, tampouco pregador do deslumbramento tecnológico. Angústia, sofrimento e desespero não podem ser mensurados, são sentidos. Não existe um bom médico sem o correto diagnóstico e tratamento; não existem grandes médicos se não houverem solidariedade, misericórdia e humildade.

    Ainda jovem estudando medicina era também professor numa turma de pré-vestibular. Organizei encontros entre alunos e profissionais das áreas mais procuradas, naquela época, engenharia, medicina e direito. Após a exposição de Célio de Castro, então o clínico mais respeitado em Belo Horizonte, um dos alunos veio cumprimenta-lo efusivamente. Mais tarde perguntei se tinha sido paciente do clínico palestrante. Sim, respondeu, mas ele não fez o diagnóstico de brucelose. Ainda assim foi o melhor médico que já conheci na vida, por ter me ouvido e diminuído minha aflição. Tomei como lição, sabendo que Dr. Célio, atrás do diagnóstico, era capaz de encontrar pegadas na rocha e claras evidências no escuro.  Em caso oposto lembro do professor doutor que veio à Brasília assumir o caso de uma celebridade, prometendo o que não podia, reluzindo sob os holofotes e achincalhando os colegas que haviam passado noites em claro tentando ajudar, não a celebridade, mas um doente que havia ignorado conselhos, até que fosse carregado para o hospital com quadro fora de controle. Professores doutores são sempre bem-vindos no contexto educacional-científico, mas a honrosa qualificação não é garantia de bom senso, grandeza e a necessária humildade que temos que ter diante dos mistérios da vida.

     Todos que estão aqui para serem homenageados merecem nosso respeito e admiração. Não são necessariamente os mais populares,  mais ricos ou ainda aparecem com maior frequência nas páginas dos jornais, mas tratam   do paciente que está doente, não apenas a doença que apresentam. No conto “Visita do Médico“ de Checov, quando o médico visita uma paciente nos arredores de Moscou, encontra uma casa rica que era propriedade da também dona de uma fábrica ao lado, onde a fartura era substituída pela escassez, as roupas ricas pelos vestidos pobres e remendados. Não lhe passou despercebida esta situação, pareceu-lhe que o sofrimento da paciente estava relacionado a este contexto. Não receitou remédios e sim palavras.

       Minha felicidade é ainda maior por ter entre os Grandes Médicos aquele a quem devo minha vinda para Brasília, Geniberto Paiva Campos. Tem a minha gratidão pela oportunidade única.

        Pudesse a academia oferecer medalhas à não médicos, particularmente às esposas de médicos que -com certeza- pagam um duro imposto pela dedicação ao marido, não teria dúvidas em dar uma medalha a Elinor Watson Moren, jovem enfermeira que abriu mão das certezas de New York para acompanhar o pediatra Oscar Moren, que sonhava construir um centro de excelência em pediatria no Hospital de Base. Foi bem-sucedido e ela, que afirmou que estava se casando com ele e não com o país dele, ou com as incertezas que cultivamos, terminou realizando um casamento, também indissolúvel, com esta cidade, da qual, sem dúvida, é quase fundadora.

      Quisera poder agraciar aqueles que implementaram o modelo de saúde de Brasília, principalmente Bandeira de Melo e Jofran Frejat. O Sistema Único de Saúde completará 30 anos em 2018 e, não tenho dúvidas, a despeito das enormes dificuldades, o Distrito Federal tem o modelo que mais se aproxima dos ideais do SUS.

    Pela primeira vez será concedida medalha de reconhecimento ao melhor trabalho publicado por médicos de Brasília. Foram avaliados aqueles divulgados em revistas com maior reconhecimento. O escolhido   reflete as dificuldades terapêuticas da doença do neurônio motor, da qual sou sócio vitalício. Que esta noite sirva de estímulo para outros tantos pesquisadores do Distrito Federal.

    Esta é a última vez que presido a sessão de entrega das medalhas aos Grandes Médicos, não que tenha planos de morrer. Aliás, disse ao governador Rollemberg, ao solicitar a doação de um terreno para a Academia de Medicina de Brasília, que só poderei morrer em paz quando a sede da academia e o museu interativo de saúde estiverem prontos. Não que eu queira que demorem, pois sempre arrumarei um motivo para continuar sendo médico em Brasília.