POR UMA HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA E DA PSICANÁLISE EM BRASÍLIA - DR. CAIUBY DE AZEVEDO MARQUES TRENCH

Augusto César de Farias Costa*

No último dia 6 de setembro, na cidade de São Paulo, aos 88 anos, faleceu o Dr. Caiuby de Azevedo Marques Trench, médico psiquiatra e psicanalista que desenvolveu a maior parte da sua trajetória profissional em Brasília.

Nascido em 15/10/1929, na cidade de Ourinhos, cedo migrou para a capital paulista, aos 14 anos de idade. Em suas anotações biográficas, conta como foi penoso e demorado se adaptar à nova vida, mas acentua que enfrentar a insegurança e superar a timidez foi importante para a sua formação: “à medida que evoluía, que amadurecia, fui, em parte por penosa experiência pessoal, aprendendo, me apercebendo e me fascinando pelos aspectos emocionais do comportamento. Este foi um dos fatores que me conduziram à Psiquiatria”.

Iniciou sua trajetória acadêmica em 1952, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Entre outras atividades, participou ativamente da promoção de cursos no Departamento de Psicologia Médica do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz.

O interesse pelas questões emocionais levou que, ao final do 3º ano médico, aceitasse convite para trabalhar como interno no Instituto Aché para doentes mentais (Cambuci-SP), dirigido pelo reconhecido psiquiatra, Dr. Mario Yahn - médico titular e emérito da Cadeira 21 da Academia de Medicina de São Paulo e patrono da Cadeira 9 da Academia Paulista de Psicologia. Conta que, desde então, o seu interesse profissional começou a se consolidar na direção da Psicologia Médica e da Psiquiatria.

Em 1957, durante o 6º ano, estagiou no Hospital Psiquiátrico Franco da Rocha, um dos mais antigos e maiores hospitais-colônia do País, chegando a albergar mais de 14 mil pacientes nos idos de 1958. O Complexo Hospitalar também abrigava um manicômio judiciário destinado a pacientes internados por ordem da Justiça Criminal. No ano seguinte, após a conclusão do curso, foi contratado pela Secretaria de Saúde de São Paulo como psiquiatra forense no referido manicômio judicial, ao tempo em que continuava como parte do corpo clínico do Instituto Aché.

Em meados de 1958, por recomendação do Dr. Mario Yahn, foi convidado pelo Dr. Zeferino Vaz, Diretor-Fundador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, a exercer atividade docente nos Departamentos de Psicologia Médica e Psiquiatria.

Ao cabo de dois anos, foi indicado pela Direção da Faculdade para uma especialização em Londres, na área da Psicanálise. Porém, em razão de entraves burocráticos e financeiros, não pôde frequentar o curso. Ao buscar outro centro que lhe oferecesse melhores oportunidades, surgiu a perspectiva de se mudar para o Distrito Federal e de se integrar à equipe médica do Hospital Distrital de Brasília.

Desde o início, sua trajetória no DF foi marcada pelo alinhamento com as novas referências de tratamento em Saúde Mental que, em grande medida, se contrapunham ao modelo assistencial predominante. No lugar de longas internações em hospitais psiquiátricos, a nova construção teórica propunha internações breves no âmbito dos hospitais gerais, além de outras práticas inovadoras.

No Distrito Federal, essas orientações definiram o marco inicial do sistema de atenção aos pacientes psiquiátricos que viriam a ser consolidadas, 20 anos depois, pela chamada Lei de Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.2016/2001) e outras regulamentações no âmbito da Política Nacional de Saúde Mental.

À época, o Plano de Saúde do Distrito Federal, formulado pelo médico Henrique Bandeira de Melo, abrigava o Plano Geral da Rede Médico-Hospitalar de Brasília. Em 1959, já preconizava a hierarquização, a regionalização e a descentralização dos serviços e da assistência.

Em junho de 1960, criou-se a Fundação Hospitalar do Distrito Federal (FHDF). Embora vinculada à Secretaria de Saúde, assumia um modelo de gestão inovador, orientado pela centralidade da governança do Sistema de Saúde. Entre outros aspectos, pretendia maior agilidade administrativa e menos embargos burocráticos.

No mês de setembro do mesmo ano, ainda inacabado, o Hospital Distrital de Brasília foi inaugurado (convertido em Hospital de Base do Distrito Federal em 1975). Juntamente com o Hospital Juscelino Kubitscheck de Oliveira (HJKO), aberto em 1957, passou a exercer papel fundamental na assistência à Saúde da recém-inaugurada Capital.

O Dr. Caiuby Trench, como se tornou conhecido, participou ativamente da implementação da Unidade de Psiquiatria do Hospital Distrital. Empossado por meio de concurso público, foi o primeiro psiquiatra e tornou-se o primeiro Chefe do setor. Dentre suas atribuições, priorizou a organização da enfermaria psiquiátrica e desenvolveu um trabalho assistencial junto ao ambulatório e ao pronto-socorro, possibilitando que, em 1963, a Unidade consumasse seu funcionamento integral.

Nessa linha, a Unidade de Psiquiatria do Hospital Distrital de Brasília, quarto serviço dessa modalidade no País, acompanhava o desenvolvimento de uma nova forma de atenção aos pacientes psiquiátricos, sem a marca do ocultamento, do isolamento e da exclusão, próprios do modelo convencional do manicômio.

Não obstante, durante o regime militar, o Dr. Caiuby Trench foi exonerado da Fundação Hospitalar do DF e se viu desafiado a buscar alternativas para dar continuidade à sua trajetória profissional.

A psicanalista Virgínia Leone Bicudo, ao retornar de Londres em 1970, assumiu parte da tarefa de disseminar a Psicanálise no Brasil. Na Nova Capital, se propôs a analisar grupos de profissionais, a ministrar seminários na UnB e a promover um intercâmbio com a Sociedade Psicanalítica de São Paulo. Como fruto dessas iniciativas, nasceu a Sociedade de Psicanálise de Brasília, composta, além do Dr. Caiuby Trench, por outros renomados profissionais, como: Humberto Haydt de Souza Mello, Luiz Meyer, Ronaldo Mendes de Oliveira Castro, Stela Maris Garcia Loureiro e Tito Nícias Rodrigues Teixeira da Silva.

No plano pessoal, essa formação contribuiu para a consecução de um projeto que, outrora, fora interrompido involuntariamente e que, a partir de então, forjou uma trajetória profissional de muitos êxitos e realizações. Tão ou mais do que isso, a atuação e o engajamento do Dr. Caiuby Trench pavimentaram os caminhos para a consolidação do saber psicanalítico em Brasília.

Por fim, essas palavras não estariam completas se não mencionassem as habilidades artística e gastronômicas do Dr. Caiuby Trench, que homenageou nossa cidade com os memoráveis restaurantes “Moinho” e “Varanda Del Capo”. Muitas lembranças boas – e saudades - do seu jeito descontraído e humanitário.

As memórias permanecerão, indeléveis, em Brasília e na história da Psiquiatria e da Psicanálise do Distrito Federal.

*Augusto César de Farias Costa – médico-psiquiatra, psicoterapeuta. Membro Titular da Academia de Medicina de Brasília.