PALESTRA

OS CAMINHOS DE VAN GOGH

(Sessão Plenária ocorrida em 19-11-2013)

Para Vincent van Gogh (1853-1890), residir em Paris não estava sendo nada fácil, apesar do afeto e do apoio financeiro que recebia do seu irmão Theodorus, ou Theo (1857-1891), como o chamava carinhosamente. A correria da vida na cidade grande mexia com seus nervos.

Seu sonho era mudar-se para alguma pequena cidade do interior da França onde pudesse pintar suas telas e ter paz de espírito.

Viajou então para Arles, no sul da França, onde foi morar em um aconchegante sobrado amarelo. Esta casa, situada em uma esquina da charmosa Praça Lamartine, lhe servia simultaneamente como moradia e ateliê.

Atendendo convite de Van Gogh, o artista impressionista Paul Gauguin (1848-1903) também ficou residindo e pintando em sua companhia.

A Casa Amarela (1888) tornou-se uma das famosas telas de Van Gogh. Lamentavelmente tal residência não mais existe, haja vista ter sido destruída pelos alemães durante um bombardeio aéreo quando da Segunda Grande Guerra.

Van Gogh e Gauguin desentenderam-se várias vezes no convívio diário, o que contribuiu para que Van Gogh tentasse se matar decepando parte de sua orelha com uma navalha (Auto-Retrato com Curativo na Orelha. 1889).

Transtornado, correu até o prostíbulo de Arles onde entregou à amiga Rachel sua orelha envolta em um lenço. Em seguida, foi até a casa amarela e, no seu quarto de dormir, jogou-se sangrando no leito (O Quarto de Van Gogh em Arles. 1889) de onde foi resgatado pela polícia já quase sem vida e levado de urgência ao hospital municipal (O Pátio do Hospital de Arles. 1889 e Enfermaria do Hospital de Arles. 1889).

Atendido pelo jovem médico Dr. Félix Rey (1867-1932) teve então sua orelha tratada e enfaixada (Auto-Retrato com Curativo na Orelha e Cachimbo. 1889). Posteriormente, por gratidão, Van Gogh imortalizou o Dr. Félix Rey pintando seu retrato em um óleo sobre tela (Retrato do Dr. Félix Rey. 1889), que hoje enriquece o acervo do museu Pushkin em Moscou.

Van Gogh soube que, na cidade de Saint-Rémy-de-Provence, próxima de Arles, havia um hospital que tratava alienados. Espontaneamente procurou o Hospital Saint-Paul-de-Mausole onde obteve internação.

Durante o tempo em que ficou sob tratamento em Saint-Rémy, pintou muitas telas retratando o interior da casa de saúde, seus jardins e vistas da cidade (Hospital de Saint-Rémy. 1889; Banco de Pedra no Jardim do Hospital Saint-Paul. 1889). Talvez  A Noite Estrelada (1889), que integra o acervo do Museu de Arte Moderna – MoMA, de Nova Iorque, seja um dos mais belos quadros da sua passagem por Saint-Rémy.

Van Gogh alternava momentos de tranquilidade mental com períodos de agitação e irritabilidade. Quando estava agitado pintava quase sem parar. Quando se deprimia nada produzia do ponto de vista artístico.

Durante sua internação em Saint-Rémy, ouviu falar de um Dr. Paul-Ferdinand Gachet (1828-1909), que tratava insanos sem que fosse necessária a internação. Gachet, além de médico, era pintor nas horas vagas e amigo de muitos pintores famosos, como Monet, Pissaro e Cézane, este último considerado o mestre das naturezas mortas.

Van Gogh viajou então, de trem, de Saint-Rémy para a distante cidade de Auvers-sur-Oise no norte da França. Hospedou-se na pensão Ravoux e tratou de procurar Gachet, que atendia em sua própria residência.

Van Gogh e Gachet tornaram-se amigos. Como retribuição pelas numerosas consultas Van Gogh pintou e o presenteou com duas telas intituladas Retrato do Dr. Gachet (1889). Uma pode ser vista no Museu d’Orsay, em Paris. A outra pertence à coleção de um empresário japonês que a arrematou em um leilão realizado na Christie, de Nova Iorque, por 86,5 milhões de dólares. Durante muitos anos, foi a tela mais cara já leiloada no mundo.

Nesses retratos, podemos ver sobre a mesa um copo contendo no seu interior um ramo de Digitalis purpúrea. Tal vegetal, do qual é feito o cardiotônico chamado digitalina, foi equivocadamente usado no passado como medicamento psiquiátrico. Em dose elevada, pode causar alterações cardíacas, alucinações e xantopsia.

Van Gogh, como os artistas e intelectuais da época, era um grande apreciador de absinto, bebida feita por meio da infusão de Artemisia absinthium em álcool (Natureza Morta com Absinto. 1887). Dentre os sintomas da intoxicação pela bebida está xantopsia, ou seja, a distorção visual que faz o consumidor do absinto ver objetos na cor amarela.

A associação de Digitalis com absinto e álcool pode ter agravado o possível distúrbio bipolar do humor que acometia o artista. É interessante observar como o amarelo está intensamente presente nas pinturas do genial Van Gogh.

Van Gogh parece ter se apaixonado por Marguérite Gachet, a filha do Dr. Gachet. Foi um amor não correspondido. Marguérite foi por duas vezes pintada por Van Gogh que a presenteou com os quadros (Marguérite no seu Jardim. 1890 e Marguérite ao Piano. 1890).

Deprimido por este e outros motivos, Van Gogh adentrou em uma plantação de trigo (Campo de Trigo com Corvos. 1890) e disparou um tiro contra o próprio peito. Cambaleante, foi até seu quarto na pensão Ravoux. Gachet nada pode fazer para evitar sua morte. Na presença de Theo e Gachet, Van Gogh faleceu em 29 de julho de 1890.

Antes do enterro, Gachet fez um retrato de Van Gogh pela técnica de carvão sobre papel. Tal documentação pictórica de Van Gogh morto, a única existente, intitula-se Van Gogh no Leito de Morte (1890).

O holandês Van Gogh encontra-se sepultado no cemitério de Auvers-sur-Oise. Ao lado de sua sepultura, alguns anos depois, foi construído um túmulo para o qual foram trasladados os restos mortais do seu querido irmão e protetor Theo, falecido em 1891.

Van Gogh e Theo: unidos em vida, unidos na eternidade, como Castor e Pólux da mitologia greco-romana.