PALESTRA

ESTRATÉGIA PARA AMPLIAR A ATENÇÃO

PRIMÁRIA EM SAÚDE EM ÁREAS POUCO ASSISTIDAS*

(Sessão Plenária ocorrida em 18/9/2012)

INTRODUÇÃO

A Academia de Medicina propõe, no debate Estratégia para Ampliar a Atenção Primária em Saúde em Áreas Pouco Assistidas, uma reflexão ampla sobre as ações desenvolvidas, no sentido de ampliar a atenção à saúde em áreas desassistidas, e sobre se essas ações seriam eficazes para modificar a desigualdade de distribuição de médicos no País.

 A pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM), relatada no livro de sua lavra, Demografia Médica do Brasil, mostra que há distribuição desigual geográfica e funcional. Enquanto o Distrito Federal tem o maior número de médicos no País em proporção populacional, com 4,2 médicos por mil habitantes, bem como o maior número de médicos especialistas, com 2,11 por mil habitantes, o Maranhão conta com 0,68 médico por mil habitantes, e a Região Norte tem 0,83 especialista por mil habitantes.

 A oferta de vagas nos programas de residência médica pode ser determinante quanto ao tipo de assistência e concentração de médicos por região. A maior densidade de especialistas em  áreas mais desenvolvidas pode ter relação com maior oferta de residência médica em especialidades. Segundo Dr Felipe Proenço do Provab, serão abertos até 2014, quatro mil vagas em residência médica, sendo 64% dos pedidos de abertura de origem na Região Sudeste. Esta região é atualmente contemplada com 63,5% das vagas para especialidades e 54,97% dos médicos fixados. Nesse contexto, não se pode desconhecer a influência do mercado de trabalho sobre a distribuição dos médicos no País, em particular no que tange à educação continuada, à segurança e aos atrativos das cidades. A fixação tanto de médicos generalistas quanto especialistas vai além de incentivos e remuneração. Depende das possibilidades de crescimento profissional, condições de trabalho, suporte para estabelecer família e reconhecimento pelos pares.

 A restrição de vagas em residência médica para as especialidades, em particular nos serviços públicos de saúde, e a oferta maior em áreas básicas de atenção à saúde poderiam atenuar essa distorção. Além disso, este contingente de médicos especialistas egressos de residência médica vai atuar preferencialmente na saúde privada, em que há 3,9 vezes mais médicos que na rede pública, segundo publicação do CFM.

 O curso médico, essencialmente teórico, posterga a aquisição de habilidades práticas aos programas de residência médica. A continuidade da formação médica está centrada nas especialidades oferecidas pelo sistema de saúde convencional, de forma fragmentada, inclusive no próprio sistema público de saúde que oferece residência médica. A formação, tanto na graduação como nos programas de residência de médica, deve contemplar com maior ênfase as estratégias de saúde da família. O currículo da graduação em Medicina poderia abranger mais conteúdos que refletissem a situação de saúde das áreas pouco assistidas, com incentivos a bolsas ou prêmios. O Sistema Único de Saúde, como empregador e gestor, contribuiria para modificar o perfil do profissional de saúde que ingressa nas residências médicas participando da Comissão Nacional de Residência Médica.

 Assim, tanto a formação acadêmica quanto o da residência médica poderiam modificar o padrão de fixação do profissional de saúde e contribuir para a resolução do desafio de prover áreas pouco assistidas na atenção básica, contemplando, com mais ênfase, as estratégias de saúde da família.

 Bonificar em 10% a 20% a entrada de médicos nos programas de residência médica, nos moldes da proposta do Provab –Programa de Valorização do Profissional de Assistência Básica e Ministério da Saúde, constitui atrativo para a disputa. Pode, no entanto não resolver a questão do provimento e da má distribuição da assistência no País, considerando-se que os serviços médicos em atenção básica serão temporários, com retorno dos profissionais um a dois anos depois para tentar ingressar na residência.

 O Provab pretende incentivar profissionais de saúde a atuarem em regiões menos assistidas em atenção primária à saúde. Mas o médico constitui apenas um dos elementos do processo contínuo de atenção à saúde, já que esta supõe trabalho de equipe nos serviços de saúde. Prover áreas pouco assistidas implica colocar todos os atores a desempenhar ações de saúde, de forma coordenada, para promoção de saúde, prevenção, diagnóstico e tratamento dos agravos. Ainda são pouco conhecidos, porém, os resultados dessa intervenção, considerando-se as limitações do ensino supervisionado e a distância, bem como as condições estruturais do exercício da medicina em relação aos recursos tecnológicos disponíveis.

 Alterar a forma de revalidar diplomas de cursos de medicina para favorecer a “importação” de médicos de formação duvidosa, sob a condição de atuarem em áreas pouco assistidas, trará novos e piores problemas para o próprio sistema de saúde e, principalmente, para a população.

 A questão central da assistência médica no País consiste em definir o modelo assistencial, se este privilegia as especialidades ou estrutura as condições que favoreçam a formação de generalistas qualificados.

 Estudos recentes do CFM mostram que 45% dos médicos no Brasil são generalistas e que isso seria um fator positivo na resolução as desigualdades de distribuição se forem promovidos os estímulos estruturais com a criação da carreira de estado de médico.

 A progressão de carreira, com possibilidade de educação continuada e condições mínimas de trabalho para prática da medicina constituem fatores determinantes para a ampliação da atenção à saúde em áreas desassistidas.

 O setor público, tanto nos programas de residência médica quanto da assistência, seria organizado para prover médicos de carreira, segundo as necessidades de expansão da rede, com incentivos de melhores salários para as áreas pouco assistidas.

 Acad. Dra Janice M. Lamas

Presidente da Academia de Medicina de Brasília

*Leia este debate na íntegra nos Anais 2012-2013