dra maria nazareth

 

Dr Maria Nazareth Petrucelli (In Memorian)

Uma história interesante.

                                                                       Fortaleza, 3 de setembro de 2017

    No dia da passagem de Dra. Petrucelli, em 31 de agosto do corrente ano, pediram-me que escrevesse sobre sua importância na medicina de Brasília. Sinto-me muito honrada com este pedido, porque Brasília é minha terra de adoção e porque trabalhei com Dra. Petrucelli, lado a lado, durante mais de 30 anos, continuando sua amiga pelos 20 anos seguintes. Amizade plena de respeito, de admiração e de carinho.

   Não quero lhes trazer muitas datas. Apenas alguns fatos marcantes e importantes de serem lembrados, principalmente dos primeiros tempos de Brasília. Dos tempos em que alguns de vocês não tinha nascido. Diz a Sabedoria dos Indígenas Dakota, que "Seremos conhecidos para sempre pelas pegadas que deixamos".  Passemos, pois, a seguir, as pegadas de MARIA DE NAZARETH PETRUCELLI.  

   Nasceu em Belém do Pará, no dia 06 de junho de 1929, numa família pequena de ancestrais italianos, tendo 4 irmãos.  Cursou o ensino fundamental e médio, além da Faculdade de Medicina, em sua cidade natal. Escolheu fazer Clínica Médica e seguiu para o Rio de Janeiro, fazendo residência no Hospital dos Servidores do Estado (HSE), pertencente ao antigo IPASE. Após terminar a residência em Clínica Médica / Hematologia, foi contratada como médica daquele mesmo hospital, tendo como chefe o eminente hematologista Halley Pacheco de Oliveira. Nas horas vagas auxiliava o Dr. Mário Mesquita, no Serviço de Hemoterapia. Foi lá que a conheci enquanto residente, tendo sido minha monitora em hematologia, nos idos de 1964 – 1965.

   Transformei-a em ícone a partir de um fato ocorrido neste período. Ela era médica dos irmãos Henfil e Betinho. Numa das vezes em que o Betinho teve que sumir, recebeu um aviso de que ele necessitava de medicação para parar uma hemorragia. Teria que seguir alguém até onde ele estava. Não pensou duas vezes no risco que correria. Pegou uma bolsa grande, colocou dentro os frascos de medicação e seguiu o homem que não conhecia durante horas, subindo e descendo de ônibus, até chegar ao Betinho. E ficou lá dois dias junto dele, até debelar a hemorragia e deixa-lo em segurança.

   No início da década de 70, o Dr. Ubiratan Ouvinha Peres pediu à Dra. Petrucelli que fosse chefiar o Serviço de Hemoterapia do Hospital de Base. Eu já dirigia o Banco de Sangue no Hospital de Sobradinho, na época pertencente à UnB, e fizemos uma boa parceria no que se refere à melhoria dos nossos serviços, capacitação dos técnicos e biólogos, além da formação de novos hematologistas na residência do Hospital de Base.  

   Nessa mesma época, começaram os trabalhos para a instalação do HSU (Hospital do IPASE), hoje HUB. Sob a direção do Dr. José de Ribamar Pinto Serrão, Dra. Petrucelli foi escolhida Chefe da Divisão Médica, cargo que desempenhou por muitos e muitos anos. Teve, portanto, um papel preponderante na escolha dos materiais, móveis, instalações, concursos e qualificação de pessoal. Em 1973 foram abertos concursos para preenchimento de vagas para o HSU e também para o HBDF. E como eu tinha saído da UnB, fiz esses concursos e passei a trabalhar com ela nos dois hospitais.

   Dra. Petrucelli deu conta do recado. O Serviço de Hemoterapia do Hospital de Base atendia clínica e laboratorialmente pacientes adultos e pediátricos portadores de hemofilia, leucemias, linfomas, hemoglobinopatias e demais doenças hematológicas. Não só do Distrito Federal chegavam pacientes. Eram atendidos igualmente os pacientes do entorno, provenientes de Minas Gerais e de Goiás. Na área de Citologia era uma referência nacional.

   Em 1974 um novo desafio: a pedido do Dr. Gilmar Borges, urologista, instalar um laboratório de Imunologia de Transplantes, para permitir realizar transplantes renais em Brasília. Até então existiam laboratórios deste tipo apenas em Curitiba, São Paulo e um, incipiente, no HSE, RJ. Como Chefe da Divisão Médica do HSU era mais fácil para Dra. Petrucelli preparar, não só a estrutura física e a qualificação de pessoal para o laboratório, mas também a estrutura clínica e cirúrgica necessária. Em poucos meses o pessoal foi qualificado, o laboratório montado e o primeiro transplante renal realizado com sucesso. Brasília com apenas 14 anos, era parte atuante da nata brasileira neste setor. Sendo o IPASE anexado ao INSS, o laboratório passou a auxiliar outros laboratórios no país, como os do INSS em Goiânia e Fortaleza. E preparar teses de livre-docência e doutorado para renomados cientistas de São Paulo e Brasília.

   O que Dra. Petrucelli pôde fazer para estimular os transplantes em Brasília, ela fez. Quando não foi mais possível manter o laboratório no HSU, este foi transferido para o Hospital de Base e atualmente se encontra no Hemocentro de Brasília.

   Em 1977 foi a Presidente do Congresso da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Com um pequeno grupo a seu lado, assumiu todos os riscos e fez um dos melhores congressos que a SBHH já teve. E pelos dois anos seguintes, como de praxe, presidiu a SBHH.

   Auxiliou Dra. Mariza Naves Ribeiro na instalação do Hemocentro de Brasília. Durante alguns anos, o Serviço de Hemoterapia do Hospital de Base foi o braço forte do Hemocentro no que se refere à doação de sangue e produção de componentes, tais como concentrados de plaquetas, leucócitos e crioconcentrados.

   Foi inovadora nos cursos de Especialização para Técnicos, com o patrocínio do PIPMO (Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra, Ministério do Trabalho). Como chefe da Divisão Médica do HSU, além de Curso de Especialização em Administração Hospitalar, dado pela USP, incrementou a realização de outros cursos em finais de semana, trazendo professores renomados de outros estados. Atuou ativamente na formação de residentes em ambos os hospitais em que trabalhou.

   Citei apenas alguns fatos dos primórdios, porque demonstram o que ela foi. Realmente, no que tange à Hematologia e à Hemoterapia no Distrito Federal, devemos a ela o que hoje temos de bom. Creio que nenhum hematologista que passou pelas décadas de 70 e 80, pode dizer que não foi ajudado ou orientado por ela. Dra. Petrucelli foi a nossa base e o nosso alicerce. E como Chefe da Divisão Médica do HSU, mostrou como fazer e manter um hospital de excelência.

   E como ela era? Quanto mais eu penso, mais ela me parece com as mamães, as mamas italianas antigas. Elas estavam em seu DNA, aquelas mulheres mandonas e amorosas. Era capaz de todos os sacrifícios pelos que considerava seus, como os seus funcionários, por exemplo. Não casou, mas tinha uma maternidade fecunda. Foi chamada de mãe por muitos e teve netos. Era impulsiva e generosa. Fez muitos amigos e claro que alguns inimigos também.  Amava seus pacientes, mas lhes puxava as orelhas quando necessário. E dava dinheiro para a passagem de ônibus se tinham de voltar à consulta no dia seguinte.

   Foi cristã fervorosa, com fé, esperança e amor encravados na realidade em que vivia. Parodiou as palavras de São Paulo, como poucas pessoas poderiam fazê-lo: “Chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. ”

Privada de luz e de som nos últimos anos de sua vida encontrou a luz que faltava, dentro de si mesma, num amor a Deus cada vez maior. Aos poucos foi silenciando, tornando-se de poucas palavras. Falei com ela a última vez em junho, no seu aniversário. Pareceu-me serena. E pela primeira vez, por duas vezes, pediu-me que rezasse por ela.

   Foi amada e suprida em suas necessidades, minuto a minuto, por seus amados filhos de adoção. E bendito sejam eles, que fizeram por ela o que eu gostaria de ter feito.

   As Escrituras dizem que: “Os olhos não viram, os ouvidos não escutaram e o coração do homem não percebeu, as maravilhas que Deus preparou para aqueles que o amam. ” Minha querida amiga Petrucelli, na Eternidade, no Sem-Tempo onde você se encontra agora, vendo, ouvindo e sentindo as maravilhas do Senhor, continue a rezar por nós. E nos abençoe a todos.

 Dra Lise Mary Alves de Lima