A HISTÓRIA DA MEDICINA DE BRASÍLIA CONTADA PELA ACADEMIA

dr lisboa

Acad. Antônio Márcio Junqueira Lisboa

Parte 1

Em fins de 1956 chegava a Brasília o primeiro pediatra – Edson de Araújo Porto, convidado para assessorar a construção de um hospital de campanha projetado pelo Instituto de Aposentadoria e Assistência aos Industriais (IAPI), que se responsabilizou também pela prestação dos serviços de assistência à saúde da população. No dia 6 de janeiro de 1957, Edson passou a atender, indiscriminadamente, adultos e crianças, em um barraco anexo à construção do restaurante do Serviço de Alimentação e Previdência Social (SAPS).

Dadas às péssimas condições sanitárias, não demorou muito a aparecer um surto de diarreia epidêmica. Com isso, o estoque de medicamentos de Brasília se esgotou. Edson deslocou-se para Goiânia para tentar adquiri-los, o que não conseguiu, pois lá também estavam em falta. Soube que boa parte deles havia sido adquirida pelo Sr. Victor, empresário do serviço de cozinha do SAPS, que estava por conta própria mandando que fossem colocados no feijão servido à comunidade. Com essa medida insólita, o surto diarreico foi debelado.

Em junho de 1957 foi inaugurado o Hospital Juscelino Kubistschek de Oliveira, o primeiro de Brasília, com a atribuição de prestar assistência médica, cirúrgica e odontológica à população. O Hospital JK possuía um berçário com dez leitos, uma enfermeira de Pediatria com outros vinte e um posto permanente de imunizações onde foram realizadas as primeiras vacinações da população. Edson Porto foi o primeiro diretor de um serviço de Pediatria de Brasília

Em 1960 foi criado o Centro de Estudos Médicos do Hospital JK, onde eram discutidos casos clínicos, inclusive os pediátricos. A Unidade de Pediatria do Hospital JK contava com os seguintes pediatras: Edson Porto, José Richelieu de Andrade Filho, Luiz Ricarte Serra, Jehovah de Souza e José Scarpelli. Ainda em 1960 foi inaugurado o maior hospital de Brasília ­– o 1° Hospital Distrital de Brasília (1°HDB). A Unidade de Pediatria entrou em atividade  no dia 20 de abril, contando com o concurso de três pediatras: José Flores Alves, Sávio Pereira Lima e Rodolpho de Almeida Prado Costallat. Mais tarde, no mesmo ano, passaram a integrar o corpo clínico da Unidade de Pediatria Roberto Barros de Castro Carvalho, Oscar Mendes Moren e José Ricardo Lemos de Oliveira.

Em 1962 foi criada a residência médica em Pediatria no 1°HDB, sob a coordenação de Oscar Mendes Moren, chefe da Unidade de Pediatria. Os primeiros médicos aceitos para cursá-la foram Geraldo Magela Salvado, Ísis Rocha Corrêa, Maria Ester Faria, Antonieta Maria Torres Bandeira e Marcelo Eduardo Arias (Córdoba, Argentina). Desde então o 1°HDB vem, ininterruptamente, formando pediatras. Moren, falecido em 2018, chefiou a Unidade de Pediatria e coordenou sua residência durante 28 anos, até sua aposentadoria. Muito devem a Moren os pediatras e as crianças de Brasília. O primeiro cirurgião pediátrico de Brasília foi Enneman Pimentel, que organizou o primeiro serviço de Cirurgia Pediátrica do 1° Hospital Distrital de Brasília, hoje Hospital de Base. Em 1964 Enneman também criou a primeira residência em Cirurgia Pediátrica de Brasília.

 

Minha vinda para Brasília

 

A partir de 1965, passei a sonhar em ser professor universitário. Amigos e colegas me estimulavam a fazer docência, mas a estrutura rígida, o funcionamento e o ensino nas escolas médicas do Rio daquela época, me certificavam que seria impossível qualquer realização ou mesmo mudança. No dia 6 de janeiro de 1966, dia de meu aniversário, voltava de um congresso em São Lourenço, Minas, com o Cláudio Souza Leite, cirurgião pediátrico. Paramos no restaurante Centenário, na estrada Rio - São Paulo. Falei-lhe sobre minhas angústias e brinquei, dizendo-lhe que eu iria acabar muito rico e frustrado, por não ter conseguido realizar um dos meus sonhos: ser professor universitário e concretizar minhas concepções de como deveria ser o ensino médico, principalmente o de pediatria. Fiz-lhe ver que no Rio,  mesmo que eu lecionasse em qualquer universidade, isso seria impossível.

O convite

Era um sábado do mês de dezembro de 1966. Havia acabado de me mudar para um consultório amplo e luxuoso na Clínica Sorocaba, que congregava um grupo de médicos altamente qualificados, cuja construção havia durado cinco anos e consumido todas as minhas economias. Eu estava em meu consultório quando o Fernando Santos, hematologista, chegou com seu filho para uma consulta. Fernando trabalhava em três hospitais para sobreviver.  Disse-me  que havia sido convidado para ser professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Brasília, e perguntou a minha opinião. Respondi-lhe que deveria aceitá-lo, imediatamente. O Fernando saiu, voltou daí a uma hora, e perguntou-me: “E você, aceitaria o convite?”.

Disse-lhe que a minha situação não tinha nada a ver com a dele. Naquele momento, eu tinha a segunda clínica pediátrica privada do Rio de Janeiro, em quantidade e qualidade e trabalhava muito; atendia, por dia, de 20 a 25 crianças no consultório, fora visitas domiciliares, atendimentos em salas de partos e em hospitais; e ainda chefiava o Berçário do Hospital dos Servidores do Estado (HSE), àquela época considerado o melhor do Brasil, e que havia sido um dos meus sonhos de recém-formado. Assim, minha situação não podia ser comparada à dele. Mesmo assim, perguntou-me se eu aceitaria um convite. Respondi-lhe que sim, para pensar.

     Estava nesse estado de espírito quando, em 11 de janeiro de 1967, fui convidado pelo Professor Agnelo Collet, em nome do Prof. Luiz Carlos Lobo,  para organizar as atividades de assistência, ensino e pesquisa em Pediatria, na recém-criada Faculdade de Ciência Médicas da Universidade de Brasília. Era o meu sonho, e o convite pegou-me em uma fase extremamente vulnerável.